20121114

Jogo de incêndios


                                                                                                                                                                      Fotografia de Erno Vadas

Em si mesma, a luz só parece ganhar vida quando sobre ela incide um olhar.
Numa belíssima fotografia de Erno Vadas intitulada “Guardadora de gansos na Hungria” a luz parece emanar das coisas, como se fossem elas que por si só se iluminassem, ou se acendessem por uma qualquer e misteriosa causa.
Uma transpiração de luz sem sombra de dúvida provocada por um olhar, o do fotógrafo, como se pudesse deduzir por esse excesso de beleza que o autor se encontraria apaixonado. Pela Hungria ou pela própria beleza, o que para todos os efeitos para ele seria o mesmo.
Que um outro ser ausente da fotografia possa estar por detrás deste jogo de incêndios não me admiraria nada.


 
                                                                                                      Fotografia de Émile Frechon

É ainda essa mesma luz que numa fotografia de Émile Frechon parece ser absorvida por um corpo, transformando-se num véu. Toda a luz do mundo não conseguiria atravessar a cortina desses olhos. Essas duas lagoas só são navegáveis por outro olhar, esse estranho e antiquíssimo meio de transporte.

(texto reeditado)

6 comentários:



  1. destaco:
    «Que um outro ser ausente da fotografia possa estar por detrás deste jogo de incêndios não me admiraria nada.»

    a sua relação com a fotografia transcende a paixão e vai ter lugar junto a uma espécie de Fé. Fé que em nada se assemelha aos actos de devoção conhecidos nos ritos religiosos estabelecidos, mas sim a um rito de adoração ao próprio registo, ao resultado da imagem! e indo mais fundo, adoração aos caminhos percorridos pelo fotógrafo para conseguir captar um instante único.
    suas observações a respeito das duas fotos (lindíssimas) que aqui estão é antes de tudo o seu trabalho de arqueólogo da sensibilidade, colector de tesouros memoráveis.
    parabéns pela perfeita análise das fotos!

    um beijo.

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  2. Muito obrigado. Desde que me lembro de mim que guardo imagens. A minha própria memória é em grande medida visual. Tenho, como toda a gente, uns cadernos onde escrevo. Quase todos os textos têm uma imagem no topo. Quando os folheio as imagens formam um mapa secreto de sensações que me permitem orientar-me por entre a teia que o tempo e o esquecimento tecem sem parar.

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  3. «Que um outro ser ausente da fotografia possa estar por detrás deste jogo de incêndios não me admiraria nada.»
    Poderá ser "Não sou eu que fotografo mas algo fotografa por mim"? E assim veio-me à memória a experiência de EUGEN HERRIGEL vivida na sua aprendizagem de arqueiro Zen, maravilhosamente descrita no seu livro "A arte do Arqueiro Zen".
    Já tinha saudades dos seus textos e desconhecia este seu insuspeito (para mim, claro) ofício de arqueólogo da Luz
    Os meus parabéns e agradecimentos por partilhar estes raios de luz.

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  4. “Arqueologia da luz”…..é uma grande responsabilidade, AN, mas obrigado.
    Aqui há uns tempos, antes do último apagão voluntário, tinha andado às voltas com uma espécie de propriedades da luz. Encontrei o texto e aqui lho deixo, porque sei que lhe deve achar piada.Com um abraço.
    “- antiga, para retratos, tinteiros, objectos de escrita, grandes planos de mãos
    -húmida, para musgos, instrumentos agrícolas, pessoas idosas
    -seca e invisível, no Alentejo, também boa para fotografar livros desde que não sejam antigos, objectos isolados
    -fixa e um pouco fria, excelente para captar o brilho e o cheiro da esteva na costa vicentina
    -rápida, boa para nuvens , pessoas erráticas à beira mar (costa atlântica)
    -lisa, para grandes espaços, desertos, com eco ou cheiro a cera o que, para a memória é mais ou menos a mesma coisa. Também boa para grandes salas vazias.
    -acetinada, macia, para naturezas mortas
    - a luz da cal ( um caso à parte)”

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  5. E traz-me à memória momentos de felicidade essa luz "fixa e um pouco fria, excelente para captar o brilho e o cheiro da esteva na costa vicentina".
    Que saudades do brilho e cheiro da esteva da costa vicentina.

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  6. pensei, assim que li, como gostaria de ver os cadernos. :)


    beijo.

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