20120712

Tão longe do mar, o mar.




Ou um nome. Dizes um nome como um fio  e dentro de ti acontecem transformações intensas e invisíveis. Quem estiver a falar poderá no máximo detectar uma ligeira tremura, um alheamento imperceptível.
Estes textos que se seguem e porque é verão me apetece e volto a publicar online, depois de apagados ou quase perdidos,  nasceram assim. Como rios.

1
A mais antiga e provavelmente a primeira ideia de viagem, tive-a através de um corpo. Essa ideia é-me ainda hoje uma coisa física. Sei-lhe sobretudo as formas, as texturas, diria os pisos.
Os olhos percorrem-na como outrora o fizeram sobre esse primeiro amor impossível condenado a partir no fim da segunda semana desse verão.
Desse desaparecimento ficou-me das viagens uma sensação vagamente marítima. Passado tanto tempo partir dói-me ainda.
Esta dor antiga que em parte terá cicatrizado, reabre-se a cada fotografia longínqua, certos mapas, meia dúzia de palavras pronunciadas numa língua desconhecida.
Talvez todo o viajante pouco mais faça do que percorrer essa espécie de caminhos que são estas feridas.
Naturalmente, e de acordo com cada caso, elas variarão em tamanho e profundidade.

2
Fundir-me com o calor a partir desta sombra. Fechar-me nela como se fecham uns suados joelhos de mulher. A sabedoria desse mecanismo que parece exactamente concebido para o Verão ou para as longas noites perto da lareira. Para o calor, de qualquer modo. Percebê-lo com os lábios. Fechar os olhos e esconder o rosto nesse odor, nessa neblina.

3
Deixa-me escolher um rosto antigo, repousar momentaneamente no casulo dessa luz já extinta cujo brilho se assemelha aos seixos brancos de um rio.
Preciso destas paisagens tranquilas, destas passagens sem portas, desta maneira de ir. Necessito do silêncio destes rostos, do repouso fóssil destes rios.

4
Eis-nos pois sob os primeiros calores como que desejando a doce ameaça do Verão. Sem corpos e areia o Verão não existiria, sobretudo se o privarmos dessa espécie de sentidos caminhando sobre ela.
A suave brutalidade da areia ardendo, um chapéu de praia que se mostrou ineficiente face ao vento, velhos amores continuadamente adormecidos à sombra das antigas e listadas barracas de praia.
Do Verão se traz um livro ou uma carta, o gosto estranho da sombra que se confunde com o do amor, uma ou outra concha desabitada.
Conheço aliás poucos sítios a que por estas ou outras razões tanta gente deseje regressar.
Porque o Verão é um sítio, digo-te. Apenas para o caso de me quereres encontrar.

5
Deixa-me dizer-te nomes quentes. Ver-te estremecer por causa dessas lâminas róseas que são os lábios e as palavras. Abrir-te assim tão devagar.

6
Dissolver-me na luz. Encostar-me a esse muro invisível e fechar os olhos. Deixar-me ir rente ao suave calor das pálpebras, de amor em amor, de verão em verão, como quem regressa.


3 comentários:

  1. Uma publicação maravilhosa. A começar pelo interessante jogo de palavras do título, passando pela excelente fotografia e culminando nos belíssimos textos. Destes, 5 fez-me estremecer pela profunda beleza e sensualidade.Ao lê-lo recordo o Eugénio de Andrade.

    Parabéns

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  2. Uma imagem vale mais do que mil palavras, alguém disse...
    Não é uma premissa universal, disso tenho a certeza!
    Aqui, um fantástico pedaço de prosa acompanhado de um "azul infinito".

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  3. Muito obrigado pelas suas palavras, AN. Quem me dera ter o cinzel de Eugénio para chegar ao essencial :)
    As imagens e as palavras são coisas diferentes, embora eu tenha o hábito/necessidade(?) de as associar. Dá-me um enorme prazer fazer isso. Obrigado pela visita e pela simpatia, MJ

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Obrigado pela visita.
As suas palavras são importantes.