20100817

Ruinologias


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O que me fascina nas ruínas é precisamente o facto de serem ruínas, e não o invocarem com maior ou menor legibilidade uma determinada época. Quando muito, à reconstituição arqueológica prefiro a reconstituição pelo sonho, essa doce neblina. O passado, “cientificamente” reposto, enfada-me por vezes tanto como o presente, ou mesmo o futuro.

J. Ruskin, em 1849, leva o seu entusiasmo estético pela ruína ao ponto de recordar aos arquitectos que pensem os materiais, o desenho e a estrutura em função do aspecto que o edifício deverá ter quando em ruínas. A precariedade de certas estruturas e materiais (tijolo e pedra calcária em vez de granito, diz) abrevia a espera. Por isso as recomenda. É já a ruínologia contra a qual, Delille, num poema de 1782, se insurgiu a favor da “inimitável marca do tempo”, que aliás tanto o fascina.

Prefiro naturalmente o gosto Romântico à pedagogia. Em 1787, no decorrer de uma viagem ao Egipto e à Síria, Constantin-François Volney congratula-se com a ruína do seu sentido político. As ruínas dos castelos e dos templos extasiam-no. Ela é a prova insofismável da queda do poder opressivo. A ruína acede, curiosa inversão de perspectiva, ao orgulho revolucionário. Desagradável quanto inocente raciocínio.

O restauro, como atitude, que à primeira vista se lhe parece opor, não me merece maior simpatia. O meu fascínio pela ruína é estético, não é histórico. Qualquer reconstituição é, a esse nível, uma perturbação inútil introduzida nesse lento labor do tempo que aliás recomeçará, com a paciência de um monge copista. Não se deve alterar, sob nenhum pretexto, o conteúdo dos manuscritos.
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7 comentários:

  1. estou encantada com sua explicação para a paixão por ruínas! incluo ainda minha felicidade por saber os detalhes de tal sentimento.

    adorei!

    :)

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  2. Também gosto de ruínas e da pátina que as vai envolvendo. Gosto porque contam histórias para lá de terem ou não feito História. Quando monumentais falam dos deuses e dos homens, de glória ou decadência, senhores e invasores. Quando modestas, ou mais privadas, nas suas paredes dependuram-se as vivências que testemunharam.
    A pedra sussurra. O tempo, a natureza e a própria natureza dos materiais moldaram, assim um jeito de esculpir a chuva, raio, vento, calor.
    Para mim, ruínas não são morte, mas sopros de vida(s).
    E, sim, encerram o conteúdo dos manuscritos, permitindo a reconstituição pelo sonho :)

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Do que gostei foi destas ruínas sobre o mar...
    Beijos.

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  5. "Deixar morrer os edifícios com dignidade" dizia um amigo arquitecto, em vez de encher a paisagem de pastiches à hollywood, cenários sem substância de um filme duvidoso...

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