20140123

Uma espécie de museu do esquecimento




1
Sempre me intrigaram os ecos. Continuaram a intrigar-me mesmo quando percebi ao que se deviam.
Os espelhos têm sobre mim um efeito parecido. Aprecio a forma como nos devolvem as imagens projetadas ao contrario, como se entrássemos num livro de Casares ou numa tela de Magritte.
Na minha opinião a síntese destes fenómenos  continua a ser os livros.

2
A pouco e pouco os meus livros esquecem-se de mim. A minha biblioteca torna-se numa espécie de museu do eco e do esquecimento.
Não me apetece reler mas meto frequentemente as mãos no interior dos livros. Deles retiro estranhos papéis dobrados , folhas secas e mesmo grãos de areia que terão marcado essas páginas antigamente  amadas e lidas. Também esses sinais deixaram de  me pertencer . Fugiram.

3
Ao contrario dos lugares de infância, que encolhem quando os visitamos , a biblioteca cresce sem que se  dê por isso. Sai da zona de controlo da memoria, escava túneis que só as palavras e as folhas ligam.
Trata-se dos livros como se cuida de bonsais. Folha a folha, com as mãos.
É assim que se lê. Com o olhar e os dedos. As palavras foram desde o principio escritas assim e assim devem ser lidas. Borges sabia imenso sobre isso.

4
O tempo . Por detrás do tempo os livros sobrevivem. Ganham defesas, tonalidades e texturas que permitem ao olhar habituado descobri-los. Escapam com estilo . Escondem-se com estilo. Criam trilhos para quem os procura. Ficam com as dobras e as marcas das mudanças de casas e de vidas. Sobrevivem-lhes.

5 
A verdade é que depois de se ler um livro, de se entrar para dentro de um livro, nunca mais se regressa. Volta-se, mas não se regressa verdadeiramente. Passa a existir uma espécie de paisagem interior que levamos para onde queremos. Não queria exagerar dizendo que a nossa casa são os livros que lemos, o que obviamente não é exato. Mas a nossa biblioteca invisível torna-se numa espécie de sala dentro de nós. Uma sala secreta onde podemos entrar sem que nos macem. Só nós sabemos onde fica a porta. 
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Há bastante tempo que não cuido da biblioteca. Tem um ar romântico de jardim esquecido que já teve dias melhores. O meu olhar, lento, percorre as lombadas e detém-se aqui e ali para sonhar. Noto nas encadernações antigas rugas e tons sépia que me passaram despercebidos. A biblioteca torna-se num passeio. Detenho-me numa lombada do seculo XVIII como qualquer jardineiro faria. Secreta e luxuriosamente ela transforma-se numa janela da sala da música sobre o jardim. Ninguém me pode ouvir. Os segredos guardam-se através de pequenos passos. E chove.

6 comentários:

  1. Uma caracteristica muito bem patente nas suas fotografia, é a qualidade com que domina a luz. Até parece que ela lhe obedece a todas as suas ordens. E consegue fazer com ela, o que bem quiser.
    Aqui está mais uma belo exemplo disso mesmo.

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  2. Agradeço sinceramente as suas palavras, mas creio que exagera. Tento escrever com a luz, isso é bem possível… a técnica é-me estranha, meio por desatenção meio por preguiça, meio e já vou em 1/3 por inclinação cenográfica para os grafismos…
    Mas vindo de quem trata a luz por tu é um elogio e tanto. Obrigado.

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  3. Eu aprecio o modo como nos dá a imagem com ecos e espelhos à mistura...
    Beijo.

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  4. Hello, José Vilhena Moreira.

    Good feeling works.
    Thank you for your support all the time.

    A nice February.
    Greeting
    From Japan, ruma ❃

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  5. ...mas o que eu gosto das suas palavras!... Gosto, gosto imenso. (Não se esqueça de, se alguma vez puser as suas palavras num livro, avisar.) Saudações amigas.

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  6. Muito obrigado,Graça,ruma.Fica combinado, Margaridaa.

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Obrigado pela visita.
As suas palavras são importantes.